domingo, 15 de agosto de 2010

APLICAÇÃO DO MÉTODO



Para exemplificar melhor o processo, segue abaixo a descrição de um exercício proposto em sala de aula logo após as apresentações do espetáculo Sorte ou Azar, levante a mão quem quer brincar.

Primeiramente foi dado acesso à tese de doutorado da Márcia Duarte onde ela descreve como se deu o estabelecimento de cada jogo e suas regras do espetáculo Húmus e do Jogos Dramáticos, as experiências que foram feitas com os interpretes, o que funcionou e o que deu errado. Em seguida foi proposta uma lista de verbos antagônicos complementares ou não, mas essencialmente verbos capazes de gerar ação: reter, prender, segurar, fixar, estancar, bloquear, impedir, passar por cima, por entre, por baixo, rolando por sobre, equilibrando-se sobre, conduzir, manipular, erguer, impulsionar, empurrar, separar, intervir, apartar, excluir, suportar, apoiar, sustentar, baixar, tombar, derrubar.

Na aula seguinte cada aluno deveria trazer uma proposta de jogo baseado nos verbos dados, dos quais foram escolhidos três para testarmos na aula.

O primeiro seria o que chamamos de Jogo do Suicida. Inspirado no verbo reter com a intenção de proteger. Um componente da dupla estaria supostamente indo em direção a algo que lhe prejudicaria (no imaginário um abismo) e o outro deveria impedi-lo mesmo que para isso tivesse que ser enérgico.

O segundo, inspirado no verbo intervir, apelidado de Devaneio, supunha um intérprete que deveria estar à deriva do vento/estímulos e ter sua trajetória modificada por ele. Esses estímulos era a intervenção dos demais em uma única ação. Após várias tentativas em aulas diferentes com esse mesmo jogo percebemos que a ação nele não se dava de forma satisfatória, não conseguíamos estabelecer regras que gerassem uma movimentação a contento, e, portanto o deixamos de lado.

O terceiro jogo foi inspirado no verbo passar por baixo. Lembramos vagamente do mito de Orfeu e Eurídice, em que ele visita o Hades com o intuito de salvá-la e apelidamos o jogo de Descida do Inferno. Na primeira aplicação estipulamos que a intenção do “Orfeu” era subir, mas que ele só conseguia passar por baixo do obstáculo/intérprete e que este sempre o impediria de subir, colocamos ainda como regra que o Orfeu só poderia respirar quando não estivesse embaixo do obstáculo. Percebemos então que havia um erro de compreensão do mito. Neste o Orfeu quer descer e é o inferno que o impede, após usar várias vezes sua lira ele consegue chegar até plutão. Assim estipulamos que um dos componentes da dupla deveria indicar a intenção de um caminho, sempre com a idéia de descer e o outro deveria se colocar de forma a impedi-lo. Em alguns momentos esse novo jogo se assemelhou demais ao do Suicida e optamos por criar novas regras. Ao invés de apenas impedir a idéia era dificultar o caminho e o outro ou desistiria ou deveria passar por baixo de alguma parte do corpo do intérprete/obstáculo. Percebemos então que em dupla o jogo funcionava mas demandava um tempo em que o “Orfeu” tinha que esperar o obstáculo se posicionar novamente. Optamos por fazer todos, seis, contra Orfeu. O que gerou desenhos e percursos bem mais interessantes. A idéia da respiração tinha surtido bons resultados e, portanto seria aplicada assim que as movimentação estivesse melhor desenvolvidas.

O primeiro e o terceiro jogo tinham mostrado possibilidades dramáticas e a Márcia propôs escolher um dos dois para desenvolver mais a fundo. Como o terceiro jogo já tinha sido inspirado no mito do Orfeu e possuía então mais possibilidades de estímulos pro nosso imaginário optamos todos por estudar o mito: Orfeu e Eurídice.

Na aula seguinte sentamos todos e executamos o que a Márcia chamou de um trabalho de mesa. Ao destrinchar a história percebemos diversas situações nela que poderiam gerar ação e que, portanto poderiam ser transformadas em jogos. Assim escolhemos a seguinte seqüência de ações:

• Perseguição de Eurídice por Aristeu

• Condução de Orfeu por Mercúrio até a porta do inferno

• Barca

• Descida do inferno

• Cérbero

• Subida do inferno


Para cada uma das ações estabelecidas desenvolvemos um jogo com diversas possibilidades de regras a serem testadas nos encontros que ser seguiram. Como foi explicado pela Márcia, em geral, esse trabalho ela não faz com os interpretes, mas sim traz pronto de casa, para que não haja um pré-direcionamento das ações. No caso foi interessante ter participado dessa mesa, pois deu oportunidade a todos de darem idéias para as regras ou mesmo criação dos jogos e ainda rechearmos o nosso imaginário para a aplicação deles, perde-se, no entanto a surpresa e as inúmeras possibilidades que advém dela.

JOGO 1 - Perseguição de Eurídice por Aristeu

Baseado no sentimento de amor/rejeição. Pensamos numa espécie de siga o mestre, onde a Eurídice faz um percurso e o Aristeu a segue exatamente pelo mesmo caminho. A abordagem dele teria que ser casual e deveria haver uma progressão na tensão entre eles.

Como o Aristeu estava sempre atrasado em relação à Eurídice, na primeira experiência percebemos que era muito complicado repetir o movimento feito e ainda gravar o percurso e o próximo movimento a ser feito. Assim optamos por apenas perceber o caminho, mantendo a dinâmica simultânea.

Como ainda não se mostrava satisfatório tentamos definir que a Eurídice estipularia um percurso imaginário pelo qual passaria e o Aristeu deveria responder ao mesmo tipo de percurso sem necessariamente fazer os mesmos gestos.

Foi proposto então que acrescentássemos o elemento da serpente que no mito pica a Eurídice. Uma terceira pessoa passou a fazer parte do conjunto, e agora não mais havia uma obrigatoriedade de percurso apenas a rejeição dela e o desejo dele, sendo que o interprete/serpente tinha como foco ela. A redução do espaço da cena contribuiu deveras para um bom jogo.

JOGO 2 - Condução de Orfeu por Mercúrio até a porta do inferno

Baseado no verbo condução, a dinâmica do jogo é o transporte do Orfeu por parte do Mercúrio. Assim, não há resistência e sim um querer ser carregado, um aproveitar da oportunidade para chegar mais perto do objeto de desejo. Existem entre os dois uma parceria, cumplicidade e colaboração. Estudamos então várias formas de deslocamento de um pelo outro num só impulso.

Como Mercúrio ou também chamado por Hermes, é conhecido pela sua rapidez, optamos por colocar diversos Mercúrios, e apenas um Orfeu para que ele sempre estivesse na expectativa de uma “carona” e nunca soubesse de onde vem o Mercúrio, devendo sempre aproveitar a oportunidade oferecida.

JOGO 3 - Barca

O jogo da barca nasce da idéia de que ele a faz flutuar com a sua música. Do foco na flutuação surgiu a idéia de rolar sobre os demais intérpretes. Jogo ainda a ser amplamente experimentado.

JOGO 4 - Descida do inferno

Baseado no verbo passar por baixo de e descer. Pressupõe uma vontade de ir por parte do Orfeu e obstáculos que se interpões ao seu caminho. Os obstáculos são os demais intérpretes, que por representarem o inferno e não um ser específico, devem manter o olhar desviado do Orfeu. Nas aulas que se passaram testamos diversas dinâmicas, mas ainda não concluímos a melhor a ser aplicada.

Os seguintes condicionantes foram descobertos e devem ser integrados ao jogo após a melhor delimitação das regras: Orfeu só pode respirar quando está livre do obstáculo, quando estiver passando por baixo, pode apenas expirar. Os olhos se fecham também cada vez que passa por baixo e conforme ele vai descendo, ou seja, conforme vai passando do nível alto para o médio, os olhos vão ficando cada vez mais fechados.

No correr da experiência percebemos que para melhor diferenciá-lo da subida do inferno, que também possui obstáculos, este deveria se situar mais nos planos alto, médio-alto e médio, enquanto o outro nos planos baixo,baixo-médio e médio. Regra ainda a ser testada.

JOGO 5 - Cérbero

Cérbero é o cão de três cabeças . Assim a proposta é um jogo sensitivo originado no cabra-cega infantil. Uma vez que Orfeu termina o jogo anterior de olhos fechados (escuridão do Hades), o cão é representado por três intérpretes que irão atraí-lo através de estímulos sonoros. A resposta do Orfeu é espreitar ou contra atacar ou recuar. O jogo termina quando o Orfeu encanta o cão com música.

JOGO 6 - Subida do inferno

Orfeu deve andar sempre para trás. Sua vontade é subir e, portanto sempre deverá passar por cima dos obstáculos, os demais interpretes vão impedi-lo de fazer, como faziam na descida. Sempre atrás dele está Eurídice. O caminho se abre para ela e se fecha para ele. O jogo finaliza quando ele por acidente enxergar Eurídice, neste momento o inferno se fecha em volta dela e ele fica sozinho com sua lira.

CONCLUSÃO

Nenhum dos jogos foi finalizado até o fim do semestre e nem era essa a intenção por enquanto. O importante era percebermos como é construída essa relação entre os interpretes, baseada numa história a ser contada. A composição da cena surge então da união dessas dinâmicas estabelecidas. Por não haver uma coreografia predeterminada, a presença do jogador é sempre requisitada e esse eu em cena é o que a torna tão rica. Se fosse o caso realmente da montagem de um espetáculo, primeiro a pesquisa seria intensificada para que do imaginário repleto soluções surgissem. Cada jogo seria exaustivamente praticado para que pudéssemos criar regras para ele que nos dessem um resultado estético, dentro da narrativa. As demais partes do mito comporiam ainda a seqüência, não como jogo, mas como encenação dentro deles ou entre eles.

Para saber o percurso que cada jogo irá tomar continue acompanhando as próximas inserções do blog.



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