segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O JOGO E O PROCESSO CRIATIVO / INTÉRPRETE JOGADOR


“Seria possível, por meio da linguagem da dança, encontrar uma maneira pela qual eu pudesse outorgar liberdade a um coletivo de intérpretes, para vivenciar com integridade e coesão uma atuação marcada por suas presenças vivas, superando os artifícios da representação e dos códigos coreográficos tradicionais?” (PINHO, Márcia Duarte, 2009, p.222)

A utilização do jogo como o elemento da composição cênica surgiu como uma resposta à pergunta acima, surgiu da ânsia em demandar do intérprete a criação de um universo imaginário para a cena ao invés de valorizar apenas reflexos apurados e habilidades. A idéia era gerar ação por meio da motivação interior do intérprete e a expressão dramática por meio da linguagem simbólica dos movimentos, evitando a artificialidade e extraindo dele a matéria viva da criação. O encanto surge não pela repetição exata e sincronizada de movimentos criados, ou pela capacidade super humana exibida, mas sim pela plasticidade que a vitalidade do jogo proporciona.

Mas como funciona esse jogo-cena? Como ele se dá para que exista? E como é criado e transformado?


“Sintetizando o exposto, poderia dizer que o jogo-cena constitui-se como uma estrutura de composição regida por um conflito imaginário, situado em espaço e tempo próprios. Tal estrutura oferece aos jogadores liberdade para atuar sobre uma gama de possibilidades imprevisíveis de ação, delimitadas por regras e norteadas por uma progressão dramática que pode ou não suscitar a geração de diferentes desfechos, sem qualquer intuito de gerar vantagens materiais aos participantes, objetivando, exclusivamente, a produção de sentido e significados.” (PINHO, Márcia Duarte, 2009, p.173)
O uso da improvisação em algum momento do processo criativo já pode ser considerado uma tendência contemporânea, mas aplicar jogo como elemento estrutural é uma perspectiva que exigiu algumas estratégias a serem tomadas.


A primeira delas foi a criação de um mundo imaginário e de um estado de espírito para os laboratórios e posteriormente o próprio espetáculo, uma disponibilidade físico mental. Sem que fossem mencionadas as teorias da pesquisa em si, os interpretes muniam a sua consciência de elementos sobre o tema a ser desenvolvido, imagens, músicas e textos, elementos que iriam subsidiar as ações mais na frente.



“Um dos fatores fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa artística foi o exercício de criar um imaginário comum fortemente alicerçado pelo imaginário individual dos intérpretes.”(PINHO, Márcia Duarte, 2009, p.192)


A partir daí surgiram as propostas experimentais, em que os intérpretes embasados para perceber e compreender seus papéis de função e foco nos jogos, reagiram às situações propostas e contra propuseram situações para a direção numa relação dialética de criação.

Após a experimentação é feito então um processamento seletivo do material gerado e como resultado estabeleceram-se as regras dos jogos vividos. Nova fase de experimentações.


Com a avaliação dos resultados é possível montar então uma estrutura dramática para a cena. Uma progressão, dos níveis dos jogos, dos condicionantes, mesmo que ela se mantenha flexível e aberta ao imprevisível. Nesse momento se tem mais claro como ele começa, como se intensifica e como irá acabar. Lembrando-se que um jogo tem vários níveis de complexidade e que isso por si só pode constituir a progressão, mas que os elementos do tema também irão contribuir para definir os rumos que ele deve tomar.


“A complexidade do jogo deve ser introduzida gradativamente no processo de criação/aprendizado, de forma a não constituir obstáculo ao desempenho integrado e favorecer a comunicação de significados pretendidos.” (PINHO, Márcia Duarte, 2009, p.224)
Cabe ressaltar ainda alguns fatores: 1. Para todo o processo conta-se com o aspecto criativo do intérprete; 2. O espetáculo não é composto apenas por jogos, do tema surgirão ainda outras encenações que irão alinhavá-los ou que entrarão de maneira simbólica neles.


“...nessa pesquisa, o jogo-cena é um elemento fundamental; é a unidade celular da composição cênica, mas ele não constitui por si só o espetáculo.” (PINHO, Márcia Duarte, 2009, p.168)
Somado a isso, veio a constatação de que "o papel do intérprete-jogador revela outro perfil de atuação que não é mais ancorado na versatilidade produzida pela mescla de técnicas absorvidas e apreendidas, mas se sustenta sobre outro domínio, constituído pelo aprimoramento da capacidade de integrar no corpo os diversos recursos expressivos que dispõe para o exercício livre e criativo de suas possibilidades." (PINHO, Márcia Duarte, 2009, p.225)

Nenhum comentário:

Postar um comentário